Escreve: Ney Paulo de Meira Albach
Em: maio de 2008
"O Espiritismo não cria a renovação social; a madureza da Humanidade é que fará dessa renovação uma necessidade. Pelo seu poder moralizador, por suas tendências progressistas, pela amplitude de suas vistas, pela generalidade das questões que abrange o Espiritismo é mais apto que qualquer outra doutrina a secundar o movimento de regeneração; por isso é ele contemporâneo desse movimento (...)" (1)
É aspiração do ser humano a busca do aperfeiçoamento, o qual se realiza progressivamente. A lei do progresso está implícita nas potencialidades do Espírito, que se agita na história e fora dela, para, de ciclo em ciclo de vida, ora no mundo material, ora no mundo espírita, plasmar em si mesmo e no meio onde se encontra os ideais superiores de justiça e de sabedoria.
A Codificação Kardequiana é substancialmente rica de conteúdos que elucidam os processos de transformação que o homem e a sociedade executam na sua trajetória evolutiva.
A Humanidade se desenvolve em inteligência e em moralidade. Embora o progresso intelectual e moral não ocorra no mesmo ritmo e concomitantemente, há uma lei de evolução, implícita na própria consciência do ser, que o impulsiona no sentido do equilíbrio dessas duas potências da alma: a inteligência e a moralidade.
"De duas maneiras se executa esse duplo progresso: uma lenta, gradual e insensível; a outra, caracterizada por mudanças bruscas a cada uma das quais corresponde um movimento ascensional mais rápido, que assinala, mediante impressões bem acentuadas, os períodos progressivos da Humanidade. Esses movimentos, subordinados, quanto às particularidades, ao livre-arbítrio dos homens, são, de certo modo fatais em seu conjunto, porque está sujeito a leis, como os que se verificam na germinação, no crescimento e na maturidade das plantas. Por isso é que o movimento progressivo se efetua; às vezes, de modo parcial, isto é, limitado a uma raça, a uma nação, de outras vezes, de modo geral". (2)
A Doutrina Espírita considera que a Humanidade terrena se avizinha de um período de grande transformação qualitativa, que a colocará nas marcas de uma Era Nova – o Mundo de Regeneração – e cabe ao Espiritismo desempenhar um extraordinário papel nesse processo de promover a Terra na hierarquia dos mundos. Certamente, compete aos espíritas, como indivíduos e como comunidade, exercer uma função efetiva como agentes transformadores nesse contexto de renovação.
Afirmam os Espíritos na questão 627 de O Livro dos Espíritos: "(...) Estamos incumbidos de preparar o reino do bem que Jesus anunciou (...)".
O conteúdo filosófico do Espiritismo e sua tendência progressista seriam elementos de sustentação do movimento de regeneração do planeta. O conhecimento do elemento espiritual que ele faculta, da reencarnação e da imortalidade da alma, sua evolução e das leis que regem esse processo, constitui formidável subsídio para impulsionar a Humanidade nesse sentido.
A explicação dos obstáculos íntimos que impedem o ser de aperfeiçoar-se mais aceleradamente; a elucidação das causas morais e sociais que mantêm o homem e a sociedade em estado de precariedade, faz do Espiritismo o grande instrumento capaz de auxiliar o homem na solução de angustiantes problemas.
Ajusta ele as questões de ordem material com as questões de ordem espiritual, e engendra a possibilidade de uma articulação de ações individuais e coletivas que poderão romper as amarras e as injunções de ordem econômica, política e social e, sustentado nas possibilidades do Espírito imortal, vencer o círculo de gravitação imediatista em que o homem materialista, utilitário e massificado se envolve e estabeleça, então, o clima e as condições adequadas a uma nova situação evolutiva.
Na questão 789 de O Livro dos Espíritos encontramos o seguinte comentário de Allan Kardec: "A Humanidade progride por meio dos indivíduos que pouco a pouco se melhoram e instruem. Quando estes preponderam pelo número, tomam a dianteira e arrastam os outros. De tempos a tempos, surgem no seio dela homens de gênio que lhe dão impulso; vêm depois, como instrumentos de Deus, os que têm autoridade e, nalguns anos, fazem-na adiantar-se de muitos séculos".
No que respeita aos que mantêm o poder de dirigir os destinos de povos e nações, encontramos em Obras Póstumas um estudo de Allan Kardec sobre as aristocracias, no qual, após ele considerar as suas diversas formas ao longo da História, culmina com a aristocracia intelecto-moral, à qual as massas confiarão seus interesses, pois ela apresentará como síntese de suas qualidades a inteligência altamente desenvolvida e a moralidade superior.
Com referência às correntes ideológicas que palpitam no mundo contemporâneo, o Espiritismo mantém-se numa atitude serena e fornece-nos subsídios para uma apreciação sem paixões, mas inabalável na sua postura filosófica, podendo efetivamente influenciar o processo de transformação da Humanidade pelos princípios que o estruturam e pela sustentação racional e científica de suas teses.
Assim, face à inquietação do marxismo, que aplica a dialética materialista para a leitura da História de lutas da Humanidade, com extraordinários apelos às forças de sobrevivência do homem, alienado da religião, o ópio do povo, e vinculado essencialmente aos fatores de produção, na limitação da economia, o Espiritismo desdobra o processo no campo do Espírito, visceralmente imantado à vida, numa realidade interexistencial, e acena à razão humana com a potência dinamizadora da consciência, capaz de sofrer e agir sobre a História, para fazer dela a sua biografia ciclópica, extrapolar às contingências do imediato e projetar-se rumo ao infinito, numa espiral de luz e beleza. Ao mesmo tempo, permite à inteligência, alicerçada num profundo conhecimento da realidade, assumir todas as suas plenas condições, no aqui e agora da existência, reordenar o sistema humano da sociedade e direcionar a sua caminhada para o porvir, com a estrutura ética apaziguada pela gratificação de ter exercido a sua responsabilidade com justiça e liberdade.
A Doutrina Espírita, pelo ensino do Espírito Verdade, pelo labor da inteligência humana na apreciação do farto material de pesquisas que o fato espírita contém, pelos princípios filosóficos e morais que apresenta, pelas implicações gnoseológicas que gera, é suficientemente capaz de retomar as teses mais avançadas das teorias sociológicas, econômicas e políticas e, em se debruçando sobre elas, desdobrá-las para conotações mais abrangentes da realidade do mundo e do ser, inspirando o pensamento humano a delinear a ideologia do Espírito – reordenadora da História.
Destarte, a dialética hegeliana pode descer de sua esfera idealista, quase abstrata, ao campo do possível humano, e renascer aplicada ao elemento diretor do processo da existência – o dinamismo biopsíquico da consciência.
Segundo Hegel, filósofo idealista alemão do início do século 19, os fenômenos materiais não seriam outra coisa senão objetivações da idéia e o mundo subjetivo se desenvolve por uma lei de contradições que se opera através de uma tese, de uma antítese e de uma síntese. "Em princípio, a filosofia hegeliana corresponde ao mesmo processo da filosofia palingenésica do Espiritismo, conforme o próprio Geley admitiu expressamente. Com efeito, para Geley, o Absoluto de Hegel chama-se dinamopsiquismo, o qual evolve do inconsciente ao consciente, de modo que o espírito absoluto do filósofo alemão e o dinamopsiquismo essencial do metapsiquista francês definem uma mesma entidade, e as três fases da dialética hegeliana (tese, antítese e síntese) correspondem, respectivamente, à trilogia do nascer, morrer e renascer". (3)
O Capitalismo, por sua vez, tem sua base no liberalismo econômico, que visa eliminar as dificuldades econômicas e sociais geradas pela intervenção intempestiva do Estado na regulamentação de preços, salários, trocas comercias; para o liberalismo valeria muito mais deixar funcionar os mecanismos econômicos naturais – laissez faire, laissez passer ("deixai fazer, deixai passar"). A economia tende a organizar-se por si mesma, para o bem de todos. O preço natural de um objeto é seu preço de custo mais uma justa margem beneficiária. O preço de mercado de um objeto depende da lei de oferta e da procura. Assim, se um produto é raro, a procura ultrapassa a oferta e o preço de mercado se eleva acima do preço natural; se um produto é muito abundante, acontece o contrário. Os salários dos operários estão submetidos a um regime natural análogo: se eles são muito baixos em determinada profissão, não se encontram mais candidatos para ela e toma-se necessária a elevação dos salários; se eles aumentam anormalmente, um grande número de operários concorre para ser engajado e isso faz baixar o salário. O papel do Estado, na teoria do liberalismo econômico, é proteger a propriedade privada e isto seria uma garantia de prosperidade para todos os membros da coletividade. A propriedade privada não seria, conforme este sistema, somente útil socialmente, mas moralmente legítima. O liberalismo econômico triunfa no século 19 quando surge a filosofia do capitalismo industrial, o qual se define como a propriedade privada dos meios de produção, matéria discutida em diversas teorias econômicas. A propriedade privada dos bens de consumo praticamente não é contestada. (4)
A Doutrina Espírita considera que o uso dos bens da terra é um direito de todos os homens; direito este conseqüente da necessidade de viver e que o monopólio desses bens para satisfazer à ganância e ao individualismo é contrário à lei natural. Ensina que a propriedade deve ser legítima, oriunda do trabalho e sem prejuízo de alguém e alerta para a aquisição de bens de modo coletivo-familiar, como a colméia.
Elucida a Filosofia Espírita que a brutal discriminação das classes sociais existentes nas sociedades humanas não se harmoniza com a lei divina ou natural, e não há como se basear nos seus ensinamentos para querer justificar a injustiça social. Que a miséria, a subnutrição, a delinqüência por desestruturação das funções vitais da criatura humana, são resultantes da imperfeição da sociedade e não de uma lei divina.
Quanto ao trabalho, segundo o Espiritismo, ele deve ser um meio de aperfeiçoar a inteligência e de dignidade social e psicológica do homem e, ainda, constituir-se num elemento de bem-estar pela adequação do trabalho às aptidões individuais. Coloca a educação e a ética social como recursos de equilíbrio da economia, neutralizando assim, moralmente, de uma forma preventiva, os efeitos danosos dos momentos de crise entre produção e consumo. Faz ainda a conotação do trabalho como forma de ajustamento psicológico do indivíduo pelo exercício de sua verdadeira vocação.
O Espiritismo não admite que o operário seja considerado uma máquina de produção e explorado como tal. Levanta, ao contrário, a dignidade da pessoa humana e a observação das questões de saúde e lazer, bem como a do equilíbrio entre trabalho e repouso, em obediência às leis naturais.
Outro capítulo sumamente importante na visão social e moral da Doutrina Espírita é a questão da educação. Neste particular ela poderá contribuir extraordinariamente para o aperfeiçoamento das metodologias e dos sistemas educacionais, desde a abordagem psicológico-espiritual do educando até os aspectos de política educacional de uma nação. Considera o Espiritismo que é preciso reformar o homem reformando as instituições que mantém e excitam as imperfeições humanas, geradoras de desequilíbrio e infelicidade.
Destacamos, ainda, que a terceira parte de O Livro dos Espíritos bem como capítulos correlatos de A Gênese, Obras Póstumas, de O Evangelho Segundo o Espiritismo e inúmeros artigos dos diversos volumes da Revista Espírita, poderão ser compulsados, através de um estudo comparado, como subsídios para o enfoque doutrinário de todos os temas relacionados com a sociologia, a política e a economia.
Doutrina de caráter abrangente, com sentido de síntese, o Espiritismo tem a ver com todas as questões de ordem social e da metafísica, já afirmava o Codificador.
Em O Livro dos Médiuns, cap. III, nº 18, afirmava ele: "O Espiritismo, também já o dissemos, entende com todas as questões que interessam à humanidade; tem imenso campo, e o que principalmente convém é encará-lo pelas suas conseqüências". E na Revista Espírita, dezembro/1863, ao fazer a abordagem do Período de Luta, Allan Kardec estabelece uma reflexão sobre os períodos de desenvolvimento das idéias espíritas, encadeados logicamente e, segundo esse pensamento, o Espiritismo passou da fase das mesas girantes, período de curiosidade, para o período filosófico, marcado pelo lançamento de O Livro dos Espíritos, em 1857. O período de luta seguiu-se-lhe marcado pelo Auto-de-Fé de Barcelona, em 1860. O quarto período seria o religioso; o quinto, período intermediário, conseqüência natural do precedente, que teria oportunamente uma denominação própria e, finalmente, o sexto, o período social, que abriria a era do século 20.
Tinha, pois, o Codificador do Espiritismo, a antevisão das conseqüências e aplicações da Doutrina Espírita no processo social. Vislumbrava ele a sua ação viva como instrumento realmente útil às sociedades e não simplesmente torná-la uma bela corrente de pensamento tipo alienante de ordem espiritualista. Entendeu que ela se introduziria no corpo ciclópico da transformação da Humanidade e cumpriria o seu papel histórico como fator de progresso do planeta com vistas ao Reino do Bem anunciado por Jesus, na mensagem do Espírito de Verdade. Pensava, inclusive, conforme se deduz de suas previsões, que já no início do século 20 o Espiritismo passaria a marcar presença na dimensão social almejada, o que infelizmente não ocorreu.
Daí, concluímos da necessidade de uma retomada e de um aprofundamento dos espíritas nesse plano de cogitações e ações, para que as conseqüências e aplicações sócio-políticas do Espiritismo possam refletir-se na Era Nova como elementos ordenadores da transformação intelecto-moral da Humanidade e atinjamos um dia, pela ação consciente e espiritualizada, a vivência plena, nos códigos e na conduta, da Lei de Justiça, Amor e Caridade.
O estudo da Filosofia Espírita nos seus aspectos sociais constitui-se num projeto indispensável e intransferível no momento histórico que atravessamos, como necessidade de justificativa e de demonstração do papel e da função do Espiritismo no processo de transformação da Humanidade.
Através desse programa, o conjunto da comunidade espírita poderia alinhar-se aos movimentos e às forças que atuam positivamente no ciclópico afã de melhoramento qualitativo das sociedades humanas. Sem embargo do valor dessas diversas formas de correntes de pensamento e ação, tem o conjunto filosófico espírita conteúdos e concepções que poderão colocá-lo na vanguarda como possibilidade de transformação do homem e da sociedade, com projeções marcantes sobre a civilização.
Notas
(1) KARDEC, Allan, A Gênese, cap. XVIII, pág. 417, 18a ed. (Popular), FEB.
(2) Idem Ob. cit., cap. XVIII, pág. 402.
(3) NETTO, Jacob Holzmann, Espiritismo e Marxismo, pág. 16, Edições A Fagulha, 1970.
(4) HUISMAN, Denis e VERGEZ, André, Compêndio Moderno de Filosofia, vol. I, A Ação, (reprodução), págs. 305/6, 4S. Edição, Biblioteca Universitária Freitas Bastos.
Texto publicado nos Anais do 7º Congresso Espírita Estadual, promovido pela União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo (USE), de 22 a 24 de agosto de 1986, em Águas de São Pedro-SP. O evento teve como tema central O Espiritismo no Século 20. Os anais foram lançados pela USE somente em março de 1997.
Ney Paulo de Meira Albach é paranaense, pedagogo, conferencista e um dos autores do COEM – Centro de Orientação e Educação Mediúnica.
"O Espiritismo não cria a renovação social; a madureza da Humanidade é que fará dessa renovação uma necessidade. Pelo seu poder moralizador, por suas tendências progressistas, pela amplitude de suas vistas, pela generalidade das questões que abrange o Espiritismo é mais apto que qualquer outra doutrina a secundar o movimento de regeneração; por isso é ele contemporâneo desse movimento (...)" (1)
É aspiração do ser humano a busca do aperfeiçoamento, o qual se realiza progressivamente. A lei do progresso está implícita nas potencialidades do Espírito, que se agita na história e fora dela, para, de ciclo em ciclo de vida, ora no mundo material, ora no mundo espírita, plasmar em si mesmo e no meio onde se encontra os ideais superiores de justiça e de sabedoria.
A Codificação Kardequiana é substancialmente rica de conteúdos que elucidam os processos de transformação que o homem e a sociedade executam na sua trajetória evolutiva.
A Humanidade se desenvolve em inteligência e em moralidade. Embora o progresso intelectual e moral não ocorra no mesmo ritmo e concomitantemente, há uma lei de evolução, implícita na própria consciência do ser, que o impulsiona no sentido do equilíbrio dessas duas potências da alma: a inteligência e a moralidade.
"De duas maneiras se executa esse duplo progresso: uma lenta, gradual e insensível; a outra, caracterizada por mudanças bruscas a cada uma das quais corresponde um movimento ascensional mais rápido, que assinala, mediante impressões bem acentuadas, os períodos progressivos da Humanidade. Esses movimentos, subordinados, quanto às particularidades, ao livre-arbítrio dos homens, são, de certo modo fatais em seu conjunto, porque está sujeito a leis, como os que se verificam na germinação, no crescimento e na maturidade das plantas. Por isso é que o movimento progressivo se efetua; às vezes, de modo parcial, isto é, limitado a uma raça, a uma nação, de outras vezes, de modo geral". (2)
A Doutrina Espírita considera que a Humanidade terrena se avizinha de um período de grande transformação qualitativa, que a colocará nas marcas de uma Era Nova – o Mundo de Regeneração – e cabe ao Espiritismo desempenhar um extraordinário papel nesse processo de promover a Terra na hierarquia dos mundos. Certamente, compete aos espíritas, como indivíduos e como comunidade, exercer uma função efetiva como agentes transformadores nesse contexto de renovação.
Afirmam os Espíritos na questão 627 de O Livro dos Espíritos: "(...) Estamos incumbidos de preparar o reino do bem que Jesus anunciou (...)".
O conteúdo filosófico do Espiritismo e sua tendência progressista seriam elementos de sustentação do movimento de regeneração do planeta. O conhecimento do elemento espiritual que ele faculta, da reencarnação e da imortalidade da alma, sua evolução e das leis que regem esse processo, constitui formidável subsídio para impulsionar a Humanidade nesse sentido.
A explicação dos obstáculos íntimos que impedem o ser de aperfeiçoar-se mais aceleradamente; a elucidação das causas morais e sociais que mantêm o homem e a sociedade em estado de precariedade, faz do Espiritismo o grande instrumento capaz de auxiliar o homem na solução de angustiantes problemas.
Ajusta ele as questões de ordem material com as questões de ordem espiritual, e engendra a possibilidade de uma articulação de ações individuais e coletivas que poderão romper as amarras e as injunções de ordem econômica, política e social e, sustentado nas possibilidades do Espírito imortal, vencer o círculo de gravitação imediatista em que o homem materialista, utilitário e massificado se envolve e estabeleça, então, o clima e as condições adequadas a uma nova situação evolutiva.
Na questão 789 de O Livro dos Espíritos encontramos o seguinte comentário de Allan Kardec: "A Humanidade progride por meio dos indivíduos que pouco a pouco se melhoram e instruem. Quando estes preponderam pelo número, tomam a dianteira e arrastam os outros. De tempos a tempos, surgem no seio dela homens de gênio que lhe dão impulso; vêm depois, como instrumentos de Deus, os que têm autoridade e, nalguns anos, fazem-na adiantar-se de muitos séculos".
No que respeita aos que mantêm o poder de dirigir os destinos de povos e nações, encontramos em Obras Póstumas um estudo de Allan Kardec sobre as aristocracias, no qual, após ele considerar as suas diversas formas ao longo da História, culmina com a aristocracia intelecto-moral, à qual as massas confiarão seus interesses, pois ela apresentará como síntese de suas qualidades a inteligência altamente desenvolvida e a moralidade superior.
Com referência às correntes ideológicas que palpitam no mundo contemporâneo, o Espiritismo mantém-se numa atitude serena e fornece-nos subsídios para uma apreciação sem paixões, mas inabalável na sua postura filosófica, podendo efetivamente influenciar o processo de transformação da Humanidade pelos princípios que o estruturam e pela sustentação racional e científica de suas teses.
Assim, face à inquietação do marxismo, que aplica a dialética materialista para a leitura da História de lutas da Humanidade, com extraordinários apelos às forças de sobrevivência do homem, alienado da religião, o ópio do povo, e vinculado essencialmente aos fatores de produção, na limitação da economia, o Espiritismo desdobra o processo no campo do Espírito, visceralmente imantado à vida, numa realidade interexistencial, e acena à razão humana com a potência dinamizadora da consciência, capaz de sofrer e agir sobre a História, para fazer dela a sua biografia ciclópica, extrapolar às contingências do imediato e projetar-se rumo ao infinito, numa espiral de luz e beleza. Ao mesmo tempo, permite à inteligência, alicerçada num profundo conhecimento da realidade, assumir todas as suas plenas condições, no aqui e agora da existência, reordenar o sistema humano da sociedade e direcionar a sua caminhada para o porvir, com a estrutura ética apaziguada pela gratificação de ter exercido a sua responsabilidade com justiça e liberdade.
A Doutrina Espírita, pelo ensino do Espírito Verdade, pelo labor da inteligência humana na apreciação do farto material de pesquisas que o fato espírita contém, pelos princípios filosóficos e morais que apresenta, pelas implicações gnoseológicas que gera, é suficientemente capaz de retomar as teses mais avançadas das teorias sociológicas, econômicas e políticas e, em se debruçando sobre elas, desdobrá-las para conotações mais abrangentes da realidade do mundo e do ser, inspirando o pensamento humano a delinear a ideologia do Espírito – reordenadora da História.
Destarte, a dialética hegeliana pode descer de sua esfera idealista, quase abstrata, ao campo do possível humano, e renascer aplicada ao elemento diretor do processo da existência – o dinamismo biopsíquico da consciência.
Segundo Hegel, filósofo idealista alemão do início do século 19, os fenômenos materiais não seriam outra coisa senão objetivações da idéia e o mundo subjetivo se desenvolve por uma lei de contradições que se opera através de uma tese, de uma antítese e de uma síntese. "Em princípio, a filosofia hegeliana corresponde ao mesmo processo da filosofia palingenésica do Espiritismo, conforme o próprio Geley admitiu expressamente. Com efeito, para Geley, o Absoluto de Hegel chama-se dinamopsiquismo, o qual evolve do inconsciente ao consciente, de modo que o espírito absoluto do filósofo alemão e o dinamopsiquismo essencial do metapsiquista francês definem uma mesma entidade, e as três fases da dialética hegeliana (tese, antítese e síntese) correspondem, respectivamente, à trilogia do nascer, morrer e renascer". (3)
O Capitalismo, por sua vez, tem sua base no liberalismo econômico, que visa eliminar as dificuldades econômicas e sociais geradas pela intervenção intempestiva do Estado na regulamentação de preços, salários, trocas comercias; para o liberalismo valeria muito mais deixar funcionar os mecanismos econômicos naturais – laissez faire, laissez passer ("deixai fazer, deixai passar"). A economia tende a organizar-se por si mesma, para o bem de todos. O preço natural de um objeto é seu preço de custo mais uma justa margem beneficiária. O preço de mercado de um objeto depende da lei de oferta e da procura. Assim, se um produto é raro, a procura ultrapassa a oferta e o preço de mercado se eleva acima do preço natural; se um produto é muito abundante, acontece o contrário. Os salários dos operários estão submetidos a um regime natural análogo: se eles são muito baixos em determinada profissão, não se encontram mais candidatos para ela e toma-se necessária a elevação dos salários; se eles aumentam anormalmente, um grande número de operários concorre para ser engajado e isso faz baixar o salário. O papel do Estado, na teoria do liberalismo econômico, é proteger a propriedade privada e isto seria uma garantia de prosperidade para todos os membros da coletividade. A propriedade privada não seria, conforme este sistema, somente útil socialmente, mas moralmente legítima. O liberalismo econômico triunfa no século 19 quando surge a filosofia do capitalismo industrial, o qual se define como a propriedade privada dos meios de produção, matéria discutida em diversas teorias econômicas. A propriedade privada dos bens de consumo praticamente não é contestada. (4)
A Doutrina Espírita considera que o uso dos bens da terra é um direito de todos os homens; direito este conseqüente da necessidade de viver e que o monopólio desses bens para satisfazer à ganância e ao individualismo é contrário à lei natural. Ensina que a propriedade deve ser legítima, oriunda do trabalho e sem prejuízo de alguém e alerta para a aquisição de bens de modo coletivo-familiar, como a colméia.
Elucida a Filosofia Espírita que a brutal discriminação das classes sociais existentes nas sociedades humanas não se harmoniza com a lei divina ou natural, e não há como se basear nos seus ensinamentos para querer justificar a injustiça social. Que a miséria, a subnutrição, a delinqüência por desestruturação das funções vitais da criatura humana, são resultantes da imperfeição da sociedade e não de uma lei divina.
Quanto ao trabalho, segundo o Espiritismo, ele deve ser um meio de aperfeiçoar a inteligência e de dignidade social e psicológica do homem e, ainda, constituir-se num elemento de bem-estar pela adequação do trabalho às aptidões individuais. Coloca a educação e a ética social como recursos de equilíbrio da economia, neutralizando assim, moralmente, de uma forma preventiva, os efeitos danosos dos momentos de crise entre produção e consumo. Faz ainda a conotação do trabalho como forma de ajustamento psicológico do indivíduo pelo exercício de sua verdadeira vocação.
O Espiritismo não admite que o operário seja considerado uma máquina de produção e explorado como tal. Levanta, ao contrário, a dignidade da pessoa humana e a observação das questões de saúde e lazer, bem como a do equilíbrio entre trabalho e repouso, em obediência às leis naturais.
Outro capítulo sumamente importante na visão social e moral da Doutrina Espírita é a questão da educação. Neste particular ela poderá contribuir extraordinariamente para o aperfeiçoamento das metodologias e dos sistemas educacionais, desde a abordagem psicológico-espiritual do educando até os aspectos de política educacional de uma nação. Considera o Espiritismo que é preciso reformar o homem reformando as instituições que mantém e excitam as imperfeições humanas, geradoras de desequilíbrio e infelicidade.
Destacamos, ainda, que a terceira parte de O Livro dos Espíritos bem como capítulos correlatos de A Gênese, Obras Póstumas, de O Evangelho Segundo o Espiritismo e inúmeros artigos dos diversos volumes da Revista Espírita, poderão ser compulsados, através de um estudo comparado, como subsídios para o enfoque doutrinário de todos os temas relacionados com a sociologia, a política e a economia.
Doutrina de caráter abrangente, com sentido de síntese, o Espiritismo tem a ver com todas as questões de ordem social e da metafísica, já afirmava o Codificador.
Em O Livro dos Médiuns, cap. III, nº 18, afirmava ele: "O Espiritismo, também já o dissemos, entende com todas as questões que interessam à humanidade; tem imenso campo, e o que principalmente convém é encará-lo pelas suas conseqüências". E na Revista Espírita, dezembro/1863, ao fazer a abordagem do Período de Luta, Allan Kardec estabelece uma reflexão sobre os períodos de desenvolvimento das idéias espíritas, encadeados logicamente e, segundo esse pensamento, o Espiritismo passou da fase das mesas girantes, período de curiosidade, para o período filosófico, marcado pelo lançamento de O Livro dos Espíritos, em 1857. O período de luta seguiu-se-lhe marcado pelo Auto-de-Fé de Barcelona, em 1860. O quarto período seria o religioso; o quinto, período intermediário, conseqüência natural do precedente, que teria oportunamente uma denominação própria e, finalmente, o sexto, o período social, que abriria a era do século 20.
Tinha, pois, o Codificador do Espiritismo, a antevisão das conseqüências e aplicações da Doutrina Espírita no processo social. Vislumbrava ele a sua ação viva como instrumento realmente útil às sociedades e não simplesmente torná-la uma bela corrente de pensamento tipo alienante de ordem espiritualista. Entendeu que ela se introduziria no corpo ciclópico da transformação da Humanidade e cumpriria o seu papel histórico como fator de progresso do planeta com vistas ao Reino do Bem anunciado por Jesus, na mensagem do Espírito de Verdade. Pensava, inclusive, conforme se deduz de suas previsões, que já no início do século 20 o Espiritismo passaria a marcar presença na dimensão social almejada, o que infelizmente não ocorreu.
Daí, concluímos da necessidade de uma retomada e de um aprofundamento dos espíritas nesse plano de cogitações e ações, para que as conseqüências e aplicações sócio-políticas do Espiritismo possam refletir-se na Era Nova como elementos ordenadores da transformação intelecto-moral da Humanidade e atinjamos um dia, pela ação consciente e espiritualizada, a vivência plena, nos códigos e na conduta, da Lei de Justiça, Amor e Caridade.
O estudo da Filosofia Espírita nos seus aspectos sociais constitui-se num projeto indispensável e intransferível no momento histórico que atravessamos, como necessidade de justificativa e de demonstração do papel e da função do Espiritismo no processo de transformação da Humanidade.
Através desse programa, o conjunto da comunidade espírita poderia alinhar-se aos movimentos e às forças que atuam positivamente no ciclópico afã de melhoramento qualitativo das sociedades humanas. Sem embargo do valor dessas diversas formas de correntes de pensamento e ação, tem o conjunto filosófico espírita conteúdos e concepções que poderão colocá-lo na vanguarda como possibilidade de transformação do homem e da sociedade, com projeções marcantes sobre a civilização.
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Notas
(1) KARDEC, Allan, A Gênese, cap. XVIII, pág. 417, 18a ed. (Popular), FEB.
(2) Idem Ob. cit., cap. XVIII, pág. 402.
(3) NETTO, Jacob Holzmann, Espiritismo e Marxismo, pág. 16, Edições A Fagulha, 1970.
(4) HUISMAN, Denis e VERGEZ, André, Compêndio Moderno de Filosofia, vol. I, A Ação, (reprodução), págs. 305/6, 4S. Edição, Biblioteca Universitária Freitas Bastos.
Texto publicado nos Anais do 7º Congresso Espírita Estadual, promovido pela União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo (USE), de 22 a 24 de agosto de 1986, em Águas de São Pedro-SP. O evento teve como tema central O Espiritismo no Século 20. Os anais foram lançados pela USE somente em março de 1997.
Ney Paulo de Meira Albach é paranaense, pedagogo, conferencista e um dos autores do COEM – Centro de Orientação e Educação Mediúnica
quinta-feira, 31 de julho de 2008
A Filosofia Espírita e Seus Aspectos Sociais
Fonte: Site PENSE - Pensamento Social Espírita
Postado por Linne S. às 13:18
Marcadores: Artigos, Espiritismo
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